Tradução
A tradução é uma área profissional que suscita frequentemente dúvidas a quem nunca necessitou dos serviços de um tradutor profissional. Ao longo da minha carreira, fui sendo frequentemente confrontado com as mais diversas (e, por vezes estranhas) perguntas sobre a minha profissão. É algo a que já estou habituado e respondo quase em piloto automático. No entanto, não deixo de pensar quantas pessoas e empresas não deixam de recorrer, por vezes, a serviços profissionais de tradução por terem dúvidas ou preocupações infundadas. Assim, decidi resumir, neste artigo, os principais mitos que por aí circulam relativamente à tradução e aos tradutores.
1-Os tradutores trabalham com muitas línguas.
Este é um dos mitos mais comuns. Pessoalmente, apenas traduzo para a minha língua materna, de modo a apresentar traduções da máxima qualidade, como se fossem textos originalmente redigidos em português. Assim, não é invulgar vermos tradutores de renome que oferecem apenas três, dois ou apenas uma combinação linguística. Mesmo que alguém fale ou tenha algum domínio de várias línguas, tal não lhe permite traduzir com a máxima eficácia em todas elas. Neste caso, menos é decididamente mais.
2-Os tradutores só traduzem livros.
A tradução literária representa uma pequena percentagem de todos os conteúdos que podem ser traduzidos. Desde manuais técnicos de eletrodomésticos, contratos de serviços entre empresas, brochuras de promoção de produtos, bulas de medicamentos, relatórios e contas, documentação empresarial, existe uma multiplicidade de materiais a traduzir para várias línguas. Todos eles, muitas vezes sem nos darmos conta, fazem a diferença no nosso dia-a-dia, pois permitem o funcionamento das empresas, o diálogo entre partes e, em geral, uma comunicação facilitada. A título de curiosidade, e de acordo com vários estudos online, os três autores mais traduzidos são Agatha Christie, Júlio Verne e William Shakespeare.
3-Para quê pagar por uma tradução quando existe o Google Tradutor?
O Google Tradutor é uma ferramenta útil para termos uma ideia do que diz um determinado texto numa língua que não conhecemos. Por exemplo, se quisermos ter uma noção de algo escrito em chinês, polaco ou russo, o Google Tradutor dá uma ajuda. Porém, se o objetivo é elaborar um texto de alta qualidade para ser publicado e lido por clientes, parceiros de negócio ou pelo público em geral, a utilização desta ferramenta é fortemente desaconselhada. É verdade que o Google Tradutor está a evoluir e a produzir melhor qualidade, mas muito dificilmente poderá igualar o raciocínio e a criatividade humana.
4-Onde encontro um tradutor certificado?
Em Portugal, não existe a figura do tradutor certificado ou ajuramentado. Existem, sim, traduções certificadas. Nos casos em que tal é necessário, o tradutor será responsável por certificar a tradução junto de um cartório, solicitador ou advogado. Normalmente, a certificação é necessária em situações formais de utilização de documentos num determinado país (processos de naturalização, estudos no estrangeiro, plataformas de concursos públicos, etc.). Quando estiverem reunidas as condições para em Portugal existir uma Ordem dos Tradutores, aí sim poderão e deverão existir tradutores certificados portugueses.
5-Os tradutores fartam-se de dar erros nas legendas e os títulos dos filmes saem sempre “ao lado”.
A tradução para audiovisuais tem características muito próprias. O tradutor está limitado pelo número de caracteres que podem ocupar o ecrã, as frases devem ser curtas e claras, e o tempo de leitura por parte dos consumidores tem de ser cuidadosamente analisado. Não é um trabalho fácil, muitas vezes é mal remunerado e já se estão a implementar sistemas de tradução automática em séries de TV, o que só piora a qualidade.
A área audiovisual é aquela em que os tradutores têm maior exposição e onde se lhes aponta mais o dedo, apesar das condições difíceis em que geralmente trabalham. Os erros acontecem, mas é também importante perceber o que os motiva.
E os títulos dos filmes? É fácil, não é o tradutor que os traduz. São da responsabilidade dos departamentos de marketing das distribuidoras e da Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC).
6-Os tradutores trabalham rodeados de dicionários.
Os dicionários em papel, no meu caso, só servem para embelezar a estante dos livros. Muito raramente os consulto no meu dia-a-dia, simplesmente, porque disponho de ferramentas online de acesso mais fácil (ou as versões digitais dos respetivos dicionários) que me permitem esclarecer todas as dúvidas. Porém, é verdade que, antes de o recurso à Internet ser tão habitual, os tradutores recorriam a vários dicionários no âmbito do seu trabalho, uns mais gerais e outros mais especializados.
7- Por que é que as traduções são tão “caras”?
O custo de uma tradução não é fixo. Pelo contrário, depende de vários aspetos: o grau de urgência, o formato do ficheiro, o volume de páginas, a existência de palavras manuscritas, ou uma elevada componente técnica são alguns deles. Por vezes, é necessário decifrar o que foi escrito, transcrever ou converter o ficheiro para um formato editável a fim de poder ser integrado nos softwares de apoio à tradução que os tradutores utilizam diariamente. Essas tarefas adicionais implicam mais tempo, logo um custo associado superior.
Assim, todos os orçamentos que envio são personalizados com base num pedido específico, com características particulares. Não concorda que, regra geral, o preço mais elevado que pagamos por um produto ou serviço, seja uma peça de vestuário ou um novo smartphone, tem a respetiva correspondência na qualidade que apresenta?
8-Tradutores, intérpretes e guias-intérpretes… é tudo a mesma coisa.
Estas três profissões são muito diferentes. O tradutor traduz conteúdos escritos, o intérprete é o profissional que transpõe oralmente uma língua falada ou gestual. Por sua vez, o guia-intérprete tem a função de acompanhar grupos de viajantes nas visitas a pontos de interesse
9-Quem traduz de inglês para português não pode também traduzir de português para inglês?
Para atingir níveis de qualidade de excelência, uma tradução deverá ser sempre realizada por um tradutor nativo da língua de destino. Neste caso, um tradutor de nacionalidade portuguesa não poderá apresentar um texto com a mesma fluência e correção de um falante nativo de língua inglesa. O texto até poderá estar em inglês, mas não irá soar a inglês, e isso poderá causar uma impressão negativa nos leitores. A exceção à regra são os verdadeiros bilingues (raros) que praticam e falam durante toda a vida ambos os idiomas devido ao seu contexto familiar.
10-Tenho de arranjar quem traduza 50 páginas para amanhã. Se o dividir por 10 tradutores já fica pronto a tempo?
A falta de planeamento pode resultar em situações de emergência bastante desgastantes. No entanto, acredite que esta “solução” não é, de todo, a mais indicada. Uma divisão como esta implica 10 estilos de escrita diferentes, 10 métodos de abordar um texto, 10 formas de traduzir uma mesma frase. Um processo com tantas pessoas envolvidas estaria mais suscetível a erros e o trabalho de uniformização não poderia ser conseguido num prazo tão curto a um nível satisfatório. Quando confrontado com este tipo de volume e urgência, sugiro a realização do trabalho por uma equipa de tradutores e revisores qualificados num prazo razoável. Na maioria das vezes, os clientes acabam por concordar que vale a pena esperar por um trabalho de qualidade (e pelos resultados que este lhes trará).
Espero que este artigo tenha esclarecido algumas dúvidas e destruídos alguns mitos infundados em que acreditava. Tem outras perguntas sobre a tradução em Portugal?
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Rui Sousa